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sábado, 23 de dezembro de 2023

Vida e obra de Artur Augusto Silva

O meu pai Artur Augusto Silva teve uma vida extremamente interessante como poeta, escritor, historiador, jurista, advogado, especialista de direito consuetudinário, prisioneiro da PIDE e pai de família. As origens da família do lado do meu pai situam-se na Madeira e em Cabo Verde. Dai a minha vontade de tentar esclarecer quem eram os antepassados do meu pai e onde viviam. Neste blog alem desta pagina sobre o meu pai, o leitor poderá encontrar inúmeros artigos sobre estes antepassados, sobre a escravatura em Cabo Verde e sobre pessoas próximas da família. 

Recomendo para quem não  tiver tempo de ir mais alem, a leitura deste site:

http://www.lirecapvert.org/artur-augustoalias-julia-correia-da-silva1912-1983.html


Os diversos artigos associados à vida e obra de Artur Augusto Silva estão disponíveis aqui:

1. Ensaio de compreensão da escultura Nalu

2. Um conto de Natal

3. Chamava-se Maria

4. Comentario sobre os Usos e Costumes dos Fulas por Beja Santos

5. A escravatura em Cabo Verde - os meus antepassados

6. Genealogia da Familia Medina da Ilha da Madeira


A Ilha da Brava fica a esquerda da Ilha do Fogo


Artur Augusto da Silva nasceu em Nova Sintra, na Ilha da Brava, Cabo Verde no dia 14 de Outubro de 1912 e faleceu em Bissau a 11 de Julho de 1983.

Mapa da Brava de 1891
Mapa de Cabo Verde datado de 1726 extraido da obra de George Roberts
Capa do livro de viagens de George Roberts


Certidão de nascimento de Artur Augusto Silva


Da esquerda para a direita Cristina (nasceu em 1904), Artur (nasceu em 1912), Henrique e Margarida (os pais) e João (nasceu em 1910)


Retratos de Margarida e Henrique (os pais de Artur)

Fotografias do Artur com o irmão João



João o irmão de Artur num trabalho de Eduardo Malta:



As origens da família vêem da Ilha da Madeira:


Viveram nesta casa em Nova Sintra na Ilha da Brava:


O pai faleceu no dia 9 de Dezembro de 1925 em Lisboa no No 134 , 3r andar da Avenida 5 de Outubro da freguesia de São Sebastião da Pedreira, onde se encontrava para tratamentos. 


Deixava a esposa de 50 anos de idade e dois filhos menores (João e Artur)  que foram viver para casa da irmã Cristina em Lisboa. Cristina tinha casado com o médico Augusto Pereira Brandão que na altura trabalhava em Farim (Guiné).


Ilha da Brava vista da Ilha do Fogo

A chegada ao porto de cais (Porto da Furna) da Brava 


Paços do Conselho de Nova Sintra, capital da Ilha da Brava


Telas de Nicolau Ferreira pintor madeirense, pintadas em 1793 que se encontram na Igreja de Nova Sintra onde foi baptizado Artur Augusto Silva 



Vista parcial de Nova Sintra 

 

Do outro lado da Ilha da Brava ao pé do antigo Aeroporto 

 

Pista do Aeroporto no qual nenhum avião aterra agora 


Vista de Fajã de Agua no outro lado da Ilha Brava ao pé do aeroporto 


De Nova Sintra até ao cais de embarque da Furna para a Ilha do Fogo 


Vista do vulcão da Ilha do Fogo

 

Frequentou em Lisboa o Liceu Passos Manuel e fez os dois últimos anos do Liceu, no Liceu Camões.

 


No Liceu Camões animava regularmente as actividades da Associação Académica onde foi colega de Álvaro Cunhal:


Em Abril de 1929, ja confirmado como escritor, poeta e jornalista, publica um conto e uma critica da exposição de Alda e José Pereira que teve lugar no Salão Bobone:


Publica também uma critica ao livro recém-publicado sobre Fernão de Magalhães, da autoria de Stefan Zweig:

Em Março e Abril 1933, publica uma critica ao governo e uma opinião sobre Camões e a Infanta D. Maria:





Ainda estudante foi Director da revista “Momento”, réplica lisboeta da  “Presença” de Coimbra, onde se propunha, com outros literatos jovens tais como Jose Augusto e Marques Matias, abrir uma “Tribuna Livre” em que livremente se discutisse e todos pudessem falar.  Momento foi uma revista Luso-Brasileira de Arte, Cultura e Critica, publicada entre 1933 e 1937. 


Uma serie de controversas animam os rapazes da Momento. Esta animaçao é bem retratada num artigo intitulado "Fernando Pessoa caricaturado presencialmente por Antonio Teixeira Cabral” da autoria de Natalia Hovorkova publicado em 2017.


Em Janeiro de 1934 Momento publica uma Carta Aberta aos Imortais:


Em Janeiro de 1934 Artur publica uma critica do livro “Meu Amor Pequenino”, acabado de publicar, da autoria de António Botto:

Num dos primeiros números da Momento em Novembro 1934, Artur publica um manifesto contra os Modernistas que lhe valeu uma critica cerrada de uns e elogios de muitos mais:


As edições Momento conseguem atrair o que de melhor se fez em Portugal:

A publicação do manifesto deu lugar a uma troca de galhardetes com diversos escritores, dos quais este é um exemplo. Trata-se de um artigo da autoria de Azinhal Abelho publicado no semanário literário “Fradique” cujo o director era Ribeiro Colaço:


A resposta de Artur publicada na Fradique não se fez esperar . Note-se que o Director do Fradique publicou a resposta  mas teve a “gentileza” de publicar uma parte de pernas para o ar.


Veja-se o prédio no numero 20 da Rua Carlos José Barreiros, onde viveu Artur:


Foi como director da revista Momento que Artur Augusto acompanhou o funeral de Fernando Pessoa em 1935. Possivelmente a única fotografia tirada nessa altura, mostra Artur à direita da fotografia ligeiramente encoberto por outro participante:

Interessante é notar a noticia do Diario de Noticias sobre a morte de Fernando Pessoa:

Publicou vários livros, fez reportagens, dirigiu saraus literários, organizou exposições de arte moderna, promoveu conferencias culturais na Casa da Imprensa, na Sociedade Nacional de Belas Artes e em vários outros locais de Portugal nomeadamente no Grémio Alentejano e no Porto:




Duas fotografias do grupo do Momento:


Ainda em 1934, Artur publica na revista Seara Nova um artigo sobre Antonio José da Silva celebre cristao novo nascido no Brasil:

Segue-se uma critica de Alfredo Pimenta:

Em 1937, Artur publica por intermédio das ediçoes Momento, um trabalho sobre o pintor Antonio Soares intitulado Modernos Artistas Portugueses. Carregue aqui para obter este trabalho.

Sobre a literatura e a mocidade, é publicado na revista Seara Nova este artigo:



Uma das criticas ao livro Imagem:


De regresso de Angola, Artur publica o romance “A Grande Aventura” que merece boas criticas:

Artur publica “O Anel do Amor” em 1938.


A narraçao da pena de morte dos algozes de Inês é feita por Artur Augusto do seguinte modo:

O livro foi acolhido com excelentes criticas:


Em 1934 Fernando Pessoa publica “Mensagem” e envia um exemplar a Artur Augusto com uma dedicatória. 

Na revista Momento, Artur publica em Abril 1935 o  poema “Da minha renuncia”. Fernando Pessoa a quem Artur tinha dedicado o livro  “Sensuais”, colaborou neste numero da Momento.

Como Redactor da Momento teve direito a este cartão :

Em 1933, as Ediçoes Momento publicam o livro “Sensuais/Helena Maria”,  com um prefacio de Artur Augusto. O livro foi apreendido por ordens do Estado Novo.



Redigiu um prefacio para o livro de poemas de Silva Bastos:


A pedido de Mario Fiuza escreveu um breve ensaio sobre a poesia Portuguesa: 


Em Fevereiro de 1936, Artur publica um artigo  sobre a arte:

Entre os variadíssimos colaboradores da revista Momento, estava João Augusto Silva, irmão de Artur, que publica em Abril 1937 uma pagina de memórias    

O mesmo João Augusto publicou um desenho no numero da Momento de Fevereiro de 1936:


Em 1937, Artur publica por intermedio das ediçoes Momento um retrato do pintor  Antonio Soares . Carregue aqui.

Durante a época da revista Momento as tertúlias literárias levavam por vezes a bilhetes de humor nos quais Artur demonstrava um talento particular:

Um dos colegas de Artur na Momento (José Augusto dos Santos) recebe em Abril 1937 uma merecida critica por um comportamento pouco recomendável:

A par das actividades da revista Momento, Artur lança com o pintôr Thomaz de Mello (Tom),  a revista de Arte “Cartaz”



Em Novembro 1936 “Cartaz” publica um artigo de Artur e outro sobre o livro de João Augusto Silva que tinha ganho o prémio da literatura colonial:


Contribuia activamente para a revista Cabo Verdiana “Claridade”:

Publicou nesta revista “O Sentido Heroico do Mar"


Em Abril de 1936 Artur publica na revista “O Mundo Português” o que foi provavelmente o seu primeiro conto "Abdulai o Caçador” no qual revela um pouco da sua infância em Farim . 

Algumas fotografias do periodo militar de Artur:


Em 1937 e 1938 participa em encontros com jornalistas e intelectuais brasileiros:

Nesse mesmos anos vai a Berlin, Paris e  Xauen (Xexuao) em Marrocos. Esta fotografia de Artur em frente da estatua do Kaiser Wilhelm 1 em Berlim é interessante porque a estatua e o palácio à volta foram  destruídos depois da segunda grande guerra pela Alemanha Democrática.

Aqui vai uma fotografia da praça onde esteve erguida a estatua.
E da estatua a ser destruida


Em Abril 1938, visita a cidade de Xauen ou Chaouen no norte de Marrocos nas montanhas do Rif e tira uma fotografia na praça Outa el Hammam.

E curioso ver como a mesma praça é vista hoje.

Licenciou-se em Direito em 1938 e em 1939 partiu para Angola onde trabalhou como Secretario do Governador Geral Manuel Marques Mano. 

Parte para Angola no paquete João Belo a 10 de Maio de 1939 e regressa a Lisboa no paquete Mouzinho no dia 5 de Setembro de 1940.


Durante a estadia em Luanda, acompanha o Governador ao interior e tem a possibilidade de fotografar o avião “Talvez”.

Nessa altura em Angola havia um ervanário muito conhecido que tinha poções capazes de curar vários males:

Pouco tempo antes de partir para Angola, Artur deu uma entrevista à “Ilustração de Angola”:

Nessa mesma altura publicou um artigo sobre Afonso de Albuquerque:

Durante a estadia de Artur em Angola é publicado o seguinte artigo que faz referencia aos "Caminhos do Mundo" acabado de publicar:

Como secretàrio do Governador Geral de Angola vai atè ao Congo Belga

Durante a estadia em Angola é-lhe atribuida uma licença de caça.


A PIDE acorda

O primeiro relatório da PIDE (nessa altura ainda era a PVDE) data de 22 de Junho de 1938. Segundo o agente trata-se de uma pessoa abertamente hostil ao Estado Novo.

Artur casou no dia 14 de Outubro de 1940 com Clara Schwarz.


Retrato de Clara (feito pelo pintor Luciano Santos) 

O casal a subir o Chiado



Numa festa:

Em 1941:

Depois de se casar,  Artur Augusto exerceu a advocacia em Lisboa, mas a convite de Luciano Santos, um amigo pintor decidiu mudar-se para Alcobaça onde havia falta de advogados.

Ai fez parte de um grupo de amigos que se reunia no atelier de Luciano Santos,  que na altura estava na ala sul do Mosteiro de Alcobaça. Esta fotografia mostra o Luciano a pintar numa rua de Alcobaça.

E aqui na nossa casa em Sao Martinho do Porto. Nesta fotografia aparece a Cristina irma do Artur e à direita o Luciano. 

Esse grupo de amigos incluía o médico pintor João Carlos Celestino Gomes, 


Em Abril 1944, Artur publica um ensaio sobre João Carlos:

O João Carlos era não so um médico-artista mas tambem um literato que escreveu imensos livros. Mostro aqui uma carta escrita em 1942, do Joao Carlos bem eloquente quanto ao estilo do autor.

Outro grande amigo dos meus pais era o escultor Pedro Anjos Teixeira cujas obras estão expostas no Museu de Sintra.


e  o engenheiro agrónomo Manuel Gomes Guerreiro que viria a ser o fundador da primeira universidade do Algarve.


Neste periodo diversos elementos de relatórios da PIDE mostram que só por pouco não foi preso. A 8 de Outubro de 1945 tem lugar no Centro Escolar “Almirante Reis” uma reunião de um grupo de democráticos que deu nascensa ao "Movimento de Unidade Democrática”, ilegalisado por Salazar em fins de 1947.

O Diário de Lisboa a 10 de Outubro de 1945 publica este artigo:


A 20 de Outubro de 1945 é publicada uma lista de escritores que aderem às 

decisões do Centro Almirante Reis.


A 11 de Dezembro de 1947, na altura em que vivia em Alcobaça,  faz parte da Comissão Executiva do  MUD para a região de Leiria.
Foi nesse ano que Artur e Clara  foram passear pela Europa:

O Artur em Paris:

O Artur no Egipto:

Ainda em Alcobaça em 1948, aqui vai uma fotografia da Clara com os filhos Henrique e João:

Em 1949, Artur é citado numa série de documentos da PIDE relativos a individuos suspeitos de pertencer ao Partido Comunista. Um deles é o Sr. Anibal Ferreira Dias de Abreu carteiro em Alcobaça que alega que foi Artur Silva que o convidou para ser membro do PC em 1947.


Não chegou a ser preso pois em 1948 ausentou-se para a Guiné. O documento da PIDE em que ele é considerado como membro do PCP é este:



Na realidade nessa altura sabendo que iria ser preso, colocou-se a questão de saber para onde ir. A irmã Cristina que tinha vivido em criança na Guiné, e que nessa altura  estava casada com o médico Augusto Pereira Brandão e vivia na Beira em Moçambique, aconselhou-o a ir para a Guiné pois dizia ela “O clima na Beira é muito pior que na Guiné”. A minha mãe Clara tambem era de opinião que a Guiné era um melhor destino pois se tivessem que voltar para trás, o caminho de regresso a Portugal era muito mais curto.


Em  1948, partiu para a Guiné (Bissau) para ali continuar a advocacia, com um sentimento pesado de frustração pela derrota politica, deixando para trás o Movimento de Unidade Democrática, desfeito, Leiria e Alcobaça,  a mulher e dois filhos que em 1949 se juntaram a ele.  

Na Biblioteca Nacional de França existe um exemplar do mapa da Guiné que data de 1760.
Outro mapa de 1690 mostra uma Guiné muito diferente:
Este mapa é de 1744

Não resisto a mostrar uma gravura inglesa de 1700 e tal que mostra o forte de Cacheu e a preparação de mandioca:

E uma planta de Bissau muito antiga que mostra a fortaleza da Amura e o Ilheu do Rei:

Mal chega a Bissau decide retomar a escrita de poemas. Aqui vão dois poemas que nunca chegaram a ser publicados:

E uma fabula:
A PSP nota a sua entrada na Provincia a 4 de Novembro 1948.

Participou activamente na campanha eleitoral de 1949 levada a cabo pela oposição, para a eleição do General Norton de Matos a Presidente da República. Em Dezembro 1949 nasce Carlos o terceiro filho de Artur e Clara. Em princípios de 1950 os três filhos pousam para a fotografia:



Foi também notário, substituto do Delegado do Procurador da República e membro do Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amílcar Cabral (ver o artigo de Carlos Schwarz sobre Amilcar Cabral neste blog) de quem era grande amigo. 


Amilcar Cabral foi um grande amigo de Artur e Clara. Amilcar Cabral publica em 1954 no Boletim Cultural da Guiné  um artigo sobre o Recenseamento Agricola da Guiné, que oferece ao Artur e à Clara com uma dedicatória.

Aqui vai uma fotografia de 1954 numa viagem a partir de Dakar de regresso a Bissau onde se vê Clara Schwarz, Maria Helena e Amilcar Cabral.

A proposito de Amilcar Cabral, nos arquivos da PIDE relativos a Artur aparece um relatório de um informador  da PIDE a quem a mãe de Amilcar Cabral, pede para transmitir uma carta a seu filho.

Artur e Amilcar eram membros do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa:

Em Fevereiro de 1973, o então Ministério do Ultramar queixa-se que o New York Times tinha atribuído o assassinio de Amilcar Cabral, a Portugal.

Em Setembro 1950,  Artur foi convidado a participar nas comemorações do 1° Centenario do nascimento do poeta  Guerra Junqueiro.

Foi um dos fundadores do Colégio Liceu de Bissau (Liceu Honório Barreto) que no inicio a partir de 1949 ocupava umas salas do Museu da Guiné que tinha sido criado em 1947 num edifício na praça do Império junto ao Palácio do Governador.  Nessa altura e no estilo habitual para a época,  o governador Raimundo Serrão (julho 1952)  profere um discurso:

que é objecto de uma grandiosa manifestação e de uma multidão que reclama a presença do governador:

De 1949 a 1956, o liceu ocupou algumas salas do Museu. So a partir do inicio do ano lectivo 1956 é que o Instituto Liceal Honorio Barreto passou a poder contar com instalaçoes próprias.

 Fotografia Aerea de Bissau em 1953


Em Julho de 1952, Artur escreve ao CEP a pedir a publicação de uns reparos sobre um artigo publicado em Julho de 1951:

Em 1953 o presidente do Centro de Estudos pede o acordo do Governador para a nomeação  de Artur como membro residente do CEP:
Em 1955, Artur publica no jornal Arauto de Bissau um pequeno artigo sobre “Humilhação e Humildade:

Artur Augusto participou, acompanhado por Eduino Brito um colega do Centro de Estudos da Guiné, no Sexto "Congresso Internacional dos Africanistas Ocidentais" que teve lugar em São Tomé em Setembro de 1956.  

O Centro de Estudos da Guiné teve que pedir o acordo do Ministro do Ultramar passando pelo Governador da Guiné.

No âmbito deste congresso Artur Augusto apresentou um trabalho “Ensaio de compreensão da escultura Nalu" que esta disponível neste blog:

Algumas das fotografias que fazem parte da comunicação apresentada no congresso estão aqui:

A PIDE alerta imediatamente  a delegação de São Tomé.


E alerta também a PIDE de Lisboa quanto ao facto de Artur e um conjunto bastante alargado de pessoas na Guiné são racistas destacados e desafectos ao regime politico:

Numa passeata pelos arredores de Bissau (tavez na Granja de Pessubé):

Visitou vários países africanos, recolhendo elementos que mais tarde lhe serviriam para escrever outros livros.  Esteve nomeadamente na Praia em Cabo Verde, onde foi tirada esta fotografia:

Em Julho de 1957 Artur publica um trabalho sobre os “ Usos e Costumes Juridicos dos Fulas da Guiné Portuguesa” com um prefacio de Marcel Caetano:

Anos mais tarde quando foi feita uma nova edição desta obra, o jornal de  Bissau publica uma pequena critica da obra.


Artur publica no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa em Julho de 1954 um trabalho intitulado “O Direito Penal entre os Fulas da Guiné (Apontamentos)" :

Recentemente Mario Beja Santos divulgou um comentário sobre este trabalho que pode ser visto neste blog.


O trabalho de Artur sobre os Usos e Costumes Juridicos dos Mandingas mereceu esta critica de Amandio César publicada no Diario Popular:

Em 1959 concorreu ao Concurso Cientifico e Literario com o trabalho sobre os "Usos e Costumes dos Felupes da Guiné" tendo ganho o prémio Honorio Barreto atribuido pelo Centro de Estudos.

Um dos vogais do Centro de Estudos emitiu o parecer seguinte sobre o trabalho sobre os Felupes:

Outras obras:

Este trabalho sobre as populaçoes oeste-africanas foi tambem objecto de uma comunicação no Sétimo Congresso Internacional dos Africanistas Ocidentais que teve lugar em Abril 1959 em Accra. Aqui esta uma fotografia dos congressistas:

Em 1959 é convidado a colaborar no jornal Bolamense:

Em Dezembro de 1961, Artur publica na revista Panorama uma evocação do Natal na  Guiné:

No livro Poemas, editado pelo Instituto Camões e pelo Centro Cultural Português da Guiné Bissau em 1997, o primeiro poema é dedicado a Mamadu Baldé:

No ambito de um processo movido contra Antonio Silva Gouvea, Artur publica:
O texto da "Pequena Viagem Através de Africa", conferência pronunciada em 1963 na Associação Comercial da Guiné, pode ser lida neste blog:
Durante varios anos foi membro residente do Centro de Estudos da Guiné que em 1960 contava com estes membros:

Em 1964 foi vogal do Conselho do Governo da Guiné na altura em que era governador o brigadeiro Arnaldo Schulz. Foi este que o mandou prender à chegada ao aeroporto de Lisboa.

No processo da PIDE que se encontra na Torre do Tombo aparece uma nota datada de Dezembro 1965 que vale a pena mostrar. A PIDE considerou como altamente subversivo um conto de Natal. Mais, o ilustre chefe da PIDE em Lisboa, considera que o advogado Artur Silva tem prosapias de filosofo, mas barato, pataqueiro.
Aqui esta o conto de Natal (voir la version française de ce texte sur ce blog)

Artur empenhou-se em defender presos políticos. Foi defensor em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações. 

Durante a estadia na Guiné, Artur viveu feliz tanto em Bissau onde trabalhava como em Varela onde ia em geral passar as férias do Natal. Aqui vão algumas fotografias desses tempos:

Com uns amigos em Bissau. Nesta fotografia aparece à esquerda Helena Salgueiro e Rego esposa do Capitão da Marinha Salgueiro e Rego. A direita do Artur esta a Teresa Daupias Alves esposa do regente agrícola Manuel Alves. A Teresa, de origem nobre era apelidada de Viscondessa de Alcochete e era uma grande amiga da minha mãe Clara. Tinha como antepassado um certo Jacome Ratton que esteve em Lisboa no tempo do General Junot.


Outros amigos que requentavam a nossa casa incluíam a Dra. Sofia de Pomba Guerra que dirigia a Farmacia de Lisboa em Bissau e que durante uma estadia anterior em Moçambique tinha sido inquietada pela PIDE a ponto de ir passar seis meses em Caxias sem culpa formada mas acusada de simpatisar com o Partido Comunista. Na minha memoria era uma Sra sempre vestida de branco que tratava o marido com muita doçura chamando-lhe sempre de “O meu Platãozinho”. 


Outra presença constante em nossa casa era o Dr. Bessa Victor médico em Bissau, angolano de origem, e irmão  do poeta Geraldo Bessa Victor. Lembro-me de o ter acordado pelas 3 da manhã quando o meu pai Artur teve que ser tratado por um calculo nos rins.


O nucleo de senhoras com quem a minha mae lidava:

Em Setembro de 1961, um telegrama da Interpol refere o facto de Artur ter tratado a PIDE de assassinos.

Uma nota da PIDE de Setembro 1964, referente ao julgamento de Rui Barreto, mostra a acção de Artur Silva como advogado da defesa;
Foi preso no dia 26 de Agosto de 1966, no aeroporto de Lisboa à chegada de Bissau, já em plena luta de libertação da Guiné, e foi detido na prisão de Caxias durante 4 meses sem julgamento. 
Escassos dias antes da libertação de Artur da prisão de Caxias, o Governador da Guiné (Arnaldo Schulz) mostra-se preocupado com a sua eventual libertação.

Foi libertado a 23 de Dezembro de 1966, por influencia  de alguns amigos que lhe conheciam e admiravam o carácter, mas foi-lhe fixada residência na capital. 

A única fotografia de Artur que consta nos arquivos da PIDE.

Em 1967, Marcelo Caetano, convidou-o para ir trabalhar como advogado na Companhia de Seguros Bonança. Também Adriano Moreira o convidou a leccionar no Instituto de Ciências Ultramarinas, o que ele recusou, fazendo ver ao portador do convite a incoerência de o terem prendido pelas suas ideia sobre o colonialismo português e depois o convidarem a leccionar matérias relacionadas com a África.


Durante o periodo ao fim do qual regressou à Guiné, Artur abriu um escritório de advogado na Rua Garret e viveu em Lisboa na Rua Augusto Gil com muitas idas a São Martinho do Porto.


Nesta fotografia aparecem da esquerda para a direita: Joao, Artur, Clara, Painha, Ica, Guida, Guto, Manecas e Chico.

Em 25 de Outubro de 1968, o curso de Direito dos alunos do periodo 1933-38 junta-se para um jantar.

Finalmente em Janeiro de 1970, o Conselho de Ministros decide levantar a medida de residência fixa aplicada a Artur e aos co-acusados Mario Lima  e Severino Pina.


Publica na separata Artes e Letras do Diario de Noticias a 24 de Maio de 1973 um conto intitulado "Os Homens Lobos":

Regressou a Bissau em fins de 1977, foi juiz no Supremo Tribunal de Justiça e Professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau  que começou a lecionar em 1979.
Faleceu na capital Guineense em 11 de Julho de 1983.  No jornal de Bissau “No Pintcha” de 13 de Julho foi publicado o seguinte artigo:


Durante a “estadia” na prisão  de   Caxias, Artur dedicou uma parte do tempo à escrita de um conjunto de contos que foram publicados em 2006.


Aqui vai a  Introdução ao Cativeiro dos Bichos:

Gostaria que me dissessem onde acaba a imaginação e começa a história. Estou mesmo em dizer que aqueles sábios que todos respeitam pelo seu ar calado, testa ampla e modos comedidos que, de lupa na mão e muita ciência na cabeça, esquadrilham as chamadas civilizações mortas, são as pessoas dotadas de maior imaginação criadora e nas suas obras, vastas , compactas, herméticas, a tresandar a poeira do armário e cemitério de aldeia mal cuidado pelo coveiro que só encontra no vinho esquecimento para todos os seus graves problemas pessoais, não há uma só linha em que a verdade se possa remirar e reconhecer.


A história, bem, a história é uma macaca que procura imitar a vida! Declarou-me um barbeiro de aldeia, meu amigo, certa vez em que me disse para vigiar os estudos do filho que não havia maneira de se banhar no sombrio rio dos mortos, como alguém já chamou aquela ciência...

Não, não procurei escrever história: falta-me para isso, aquele ar soturno, próprio dos historiadores e mais, aquela audácia de afirmar o que nos é totalmente desconhecido, sem a qual não pode haver um único historiador digno desse nome.


Homem simples, que nasceu como nascem os cardos nas serras, pisados por quantos caminhantes ali passam, aprendi a escrever por acidente. Deu-me a natureza, como a todos os meus semelhantes, dois olhos que tenho conservado bem abertos e isso tem sido a minha salvação e a minha desgraça; salvação da alma, desgraça do corpo. Porque muito tenho visto, a imaginação pôde dilatar-se à vontade e porque nunca tive mestres, ela desenvolveu-se livremente.


Não sou um anarquista, meu Deus!! Juro à fé do Alcorão que abomino essa gente, de sórdida guedelha e de muito duvidosa limpeza. Na vida tenho conhecido alguns. Têm todos cabelos compridos, barbas longas como as dos apóstolos do primitivo cristianismo e uns fatos em petição de miséria. No fundo são todos boas pessoas (já não há nenhum anarquista que, de ar romântico e atitude heróica,  lance bombas sobre Czares ou Imperadores. Ponho-me a pensar se não será por falta de matéria prima;  os últimos Czares e Imperadores perdem-se nas brumas do tempo).


O que me faz abominar os anarquistas e os seus parentes bossa nova é o ar sujo que têm: o ar encardido de quem nunca fez passar pelo corpo uma gota de agua, nem da chuva e aquele aspecto luzidio que o sebo amontoado provoca.


Já ia divagando demais e estou a ver o leitor engelhar a fronte em sinal de desagrado. Ora, na muito fundada opinião dos editores, o leitor deve sempre ser lisonjeado porque senão, bolas para o negocio... O leitor deve ser tratado por Vossa Excelência e ao escritor compete mostrar-se, em todas as conjunturas, muito atento ao que interessa: história? ficção?


Como se vera no decorrer deste livro, não há imaginação humana capaz de inventar tipos e situações como as que aqui são narradas. Só a realidade, que possui muito mais fantasia do que a imaginação humana, seria capaz de arquitectar homens e casos com os de Benito, Manolo, Otto Pumpf e outros.


Explicava-me um bom e simples cura de aldeia – orientador espiritual da minha infância e a quem recorro nos momentos difíceis – que é a imaginação de Deus que cria a realidade, enquanto que a ficção nasce da pobre imaginação humana. Concluo assim que qualquer homem que tenha dois dedos de juízo faz o que sempre viu fazer com tranquilidade e proveito, a todos os funcionários públicos: não se matam a trabalhar  e deixam corre o marfim. Isto é como quem diz: não te rales com o trabalho que as coisas se resolvem por si!


Esta verdade é tão evidente que não há funcionários públicos que se prezem - daqueles que já no topo da carreira recebem as justas e espontâneas manifestações de apreço do Senhor Director – que a não tenham observado com o escrúpulo inerente aos fieis de uma verdade revelada. A realidade é fruto de Deus; a imaginação, própria do homem.


Assim sendo, sou levado a afirmar que não há história e que tudo é fantasia, imaginação, delírio de cérebros mais ou menos exaltados. Não quero fugir a regra e por isso posso afirmar solenemente que tudo o que se vai ler é pura ficção: homens, lugares, atitudes e que até o eu que aparece com frequência é pura ficção. Esse eu nunca existiu e saiu todo inteiro, armado de argumentos, da minha cabeça, como Minerva saiu da cabeça do Pai Júpiter.


Alguns leitores dados às delicias dos romances policiais, facilmente descobrirão que o eu deste livro esta em dois ou três locais ao mesmo tempo e que por isso, dado que acreditassem na minha palavra honrada, levá-los-ia a pensar que pretendia imitar o Taumaturgo de Pádua, aquele tão nosso Santo António que ate a petizada das bravas serranias de Trás-os-Montes conhece.


Devo uma explicação a tão argutos leitores, que cumprimento pela fina observação e, já agora, peço-lhes licença para tornar extensiva aos menos precavidos – aqueles que lêem um livro, como quem come pevides. Como já disse o eu é produto da imaginação e nada impede que ele esteja em dois, três ou mesmo quatro locais simultaneamente.


Verão ainda que o eu fala correntemente todas as línguas do mundo. Devo esclarecer que a imaginação não precisa falar para compreender.


Em pura ficção tudo é possível: até foi possível escrever este livro.


Alguns, especialmente os inquisitoriais caçadores de feiticeiras, procurarão descobrir neste livro determinadas tendências politicas.  Devo declarar que ele não tem qualquer intenção que não seja a que ressalta da sua realidade e que esta não é de forma alguma, obra dos homens.


Perguntarão os tais caçadores como é que se justifica o acto da publicação com a falta de intenção.


Aqui, segundo o décor dos bons filmes policiais, compete ao caçador esboçar um sorriso entre jocoso e superior, enquanto negligentemente, introduz o polegar na cava do colete, como a que a dizer: apanhei-te.


Não, não me apanhas-te, caro caçador de feiticeiras. Os velhos deliciam-se quando rememoram os acontecimentos da sua mocidade, as pessoas que conheceram, as paisagens que viram, os estados de alma por que passaram, isto é como quem diz: a sua própria mocidade.


Que paisagens mais sedutoras que estas?


De pés voltados para a cova, publico este livro com a intenção única de ter à mão um quadro onde possa rever as pessoas que, em sonhos, me forma queridas, o bulício alegre ou triste de outros tempos, os heroísmos e grandezas, as misérias e vergonhas de um tempo que já não volta, mas parece eternizar-se na sua repetida monotonia.


E agora o conto que deu o nome ao livro:


A história que ides ler foi-me contada na tabanca de Quebo, no sertão da terra dos fulas, por um homem chamado Umarú Só, velho para além de toda a idade e que por ser velho e sábio conhecia os segredos do mundo e as suas maravilhas. Vou narrá-la por palavras minhas, porque sei que não me perdoariam o uso daquele estilo floreado, exuberante, por vezes difuso mas sempre poético que os fulas usam para contar uma história.


Houve um tempo em que todos os seres viviam na mais perfeita harmonia e a paz reinava por toda a parte. Isto passou-se antes de ter nascido uma garça chamada Macute e que ficará para sempre como o anjo mau que perverteu o mundo.


Foi o caso que numa manhã de sol, quando as manadas de búfalos pastavam nas lalas verdejantes de Bambadinca, uma garça ainda nova e inexperiente, ao esburgar com o bico as carraças de um búfalo, picou-o profundamente, o que o levou a dar um sacão com a cauda, sacão que apanhou a garça e a fez cair.


As coisas teriam ficado por aqui se não fora a garça Macute que, de longe, presenciou o caso e porque queria tornar-se rainha das aves, logo engendrou um plano que a conduzisse à satisfação dos seus desejos.

Andou de terra em terra convocando uma grande reunião de todos os bichos que voam para tomarem conhecimento da maior afronta que jamais fora praticada sobre um ser vivente. 


Chegado o dia da reunião, ali se encontrou toda a bicharada que povoa os ares, desde a águia-real, de peito branco e bico adunco, até ao colibri que é mais pequeno que a mais pequena flor. Vieram os papagaios vestidos de cinzento e peitilho vermelho, vieram todos os patos, desde o marreco ao ferrão, vieram as galinhas, incluindo as perdizes e as galinhas da Guiné, todas louçãs na sua vestimenta preta de bolas brancas, vieram os mergulhões de longo bico e plumagem verde, azul, preta e branca, veio toda a casta de pardalada que enxameia os céus, vieram as abetardas no seu voo lento e majestoso e por fim chegaram as borboletas no seu voo saltitante e colorido.


Reunidos todos, a garça Macute dedarou que era necessário escolher um presidente que dirigisse os trabalhos mas, quando esperava ser investida no cargo, teve a desilusão de ver que optavam pela águia-real.


A águia-real soltou três assobios e declarou aberta a assembleia.


Logo a garça Macute levantou uma questão prévia:

- Vejo aqui as nossas boas amigas, as avestruzes, mas afigura-se-me que elas não são aves. Com efeito, desde que o mundo é mundo, não há notícia de que uma avestruz tenha voado. Elas fazem parte dos bichos que andam e, por isso, não devem tomar parte da nossa reunião.


Todas as garças grasnaram em sinal de assentimento e estabeleceu-se um certo burburinho, prontamente reprimido pela presidente que declarou ir pôr o caso à votação.


A coruja, sábia reconhecida por todos, pediu a palavra e disse:

- o problema posto pela nossa companheira, a garça, não é novo e muitas têm sido as opiniões ventiladas sem que se chegue a qualquer conclusão. Se é verdade que a avestruz tem asas, não é menos certo que nunca se serve delas para voar. Em minha opinião, devem ser classificadas entre os bichos que andam e não entre os que voam.


Como, após tão sábio resumo, ninguém quisesse usar da palavra, a águia pôs o caso à votação, e por maioria esmagadora, foi decidido que as avestruzes não eram aves, mas sim bichos que andam.


Então a águia convidou a garça a dizer do motivo da reunião, e Macute começou:

- As aves são neste mundo em que vivemos, os animais mais nobres e mais valentes. Nunca uma de nós sofreu qualquer vexame ou insulto sem que imediatamente respondesse. Ora, devo dizer-vos que é com o coração oprimido de indignação e raiva que vos vou contar que há dias, na bolanha de Bambadinca, uma de nós, precisamente uma garça, foi vítima de agressão por parte de um búfalo. Devo acrescentar que o caso não pode ficar assim e por isso proponho que se declare guerra sem quartel a todos os bichos que andam.


Uma vozearia infernal atroou os ares e os abutres eram, de entre todas as aves, quem mais grita fazia, apoiando tão dignos sentimentos.


Um pardalito que estava presente, voltou-se para um jagudi que deu mostras de grande contentamento e ainda disse:

- O que vocês querem é que haja guerra para poderem comer a carne dos que morrem.


Logo o jagudi, gritando “traidor”, deu-lhe uma sapatada e em três tempos o engoliu.


- Calma! Calma! Gritava a águia-real, receosa de não ter mão na assembleia.


Serenados um pouco os espíritos, a águia deu a palavra ao primeiro orador inscrito, o periquito. Este começou por dizer que a afronta fora grave mas, em seu entender, deveria averiguar-se primeiro se as coisas se tinham passado conforme o relato da garça, porque não via razão para que um búfalo magoasse uma garça, sem qualquer razão. Propunha, pois, uma comissão de inquérito.


O papagaio, segundo orador, citou alguns precedentes em que o comportamento dos bichos que andavam para com os bichos que voam demonstrava crueldade e propôs que o caso fosse levado ao conhecimento do bicho homem que possui discernimento mais do que suficiente para resolver o conflito.


As corujas apoiaram e depois de muitos oradores terem falado, foi resolvido levar o caso ao bicho homem.


Formada a comissão que se avistaria com o bicho homem, dissolveu-se a assembleia, no meio de grande excitação.


O papagaio, como falador de grandes conhecimentos, presidia à comissão de queixa, a qual se dirigiu ao bicho homem para fazer as suas lamúrias. Ouviu o bicho homem as mágoas da passarada e ali jurou que iria investigar, para que se fizesse inteira e completa justiça. Voltassem daí a sete dias, para ouvir a sua resolução.


A passarada retirou-se em boa ordem e o bicho homem ficou a esfregar as mãos de contente porque em sua cabeça surgira um plano. Mandou o bicho homem chamar o rei dos bichos que andam e que é, contra o que se pensa, o elefante. Veio este acompanhado de numeroso séquito do qual fazia parte o seu melhor conselheiro, o macaco.


Exposto o motivo da convocação, logo ali declarou o elefante que as intenções da bicharada que anda eram pacíficas e que nunca, até aquele momento, qualquer dos seus súbditos fizera mal a outrem, facto que devia ser do conhecimento do bicho homem que tudo sabe.


- Na verdade, na verdade, retorquiu o homem. Mas há uma queixa e é necessário saber quem tem razão. Parece-me que seria melhor que os bichos que andam nomeassem um delegado e os que voam, outro, para trazerem à minha presença as alegações de cada parte e as provas a produzir.


Todos concordaram e ficou estabelecido que daí a sete dias se realizaria o julgamento do caso. 

Sete dias passados e à hora marcada, reuniu-se a grande assembleia e o bicho homem, dizendo que ambas as partes lhe mereciam o maior respeito e consideração e que, assim, não podia dar a direita a um e a esquerda a outro, propôs que o representante de cada parte ocupasse a direita durante meia hora e que a primeira posição fosse tirada à sorte.


Constituído o Tribunal, entraram o macaco como advogado dos bichos que andam e mais vinte e sete testemunhas, logo seguido pelo papagaio, representante dos bichos que voam, com vinte e cinco testemunhas.


Historiou o homem o diferendo em poucas palavras e pediu ao papagaio, como advogado da parte acusadora, que dissesse da sua justiça.


Falou o papagaio com perfeita dicção e clareza, citando vários confrades seus e algumas palavras que ouvira aos homens, o que lhe valeu aplausos até dos bichos que andam. Empertigou-se o macaco, abriu os braços como já vira fazer em comícios do bicho homem e analisou, um por um, os argumentos do papagaio e a sua queixa. Falou no amor, na justiça, na piedade, em todos os sentimentos nobres e a tal ponto comoveu a bicharada que voa, fez chorar um pardal, estouvado e brincalhão como todos os pardais.


Exposta a questão, iniciou o bicho homem a audição das testemunhas e quer as de acusação, quer as de defesa, declararam nada saber do assunto.


Concedida novamente a palavra aos advogados, estes excederam-se em citações: foram épicos, heróicos, patéticos, fizeram chorar a assembleia e, logo a seguir, fizeram-na rir desabridamente e foi numa das suas tiradas mais sublimes que o macaco, demonstrando rara intuição científica, classificou o homem de seu primo.


O Chimpanzé que estava seguindo a peroração nos menores detalhes, comentou em aparte: primo, mas degenerado... Depois desta afirmação solene do macaco, os jornais e revistas que o bicho homem publica, começaram-na citando obstinadamente, pelo que hoje é ponto assente a existência de tal parentesco.


O bicho homem suspendeu a sessão por uma hora, ao cabo da qual reentrou para ler a sentença. Era uma longa peça cheia de considerandos e que começava por afirmar que “em virtude de se não ter provado a queixa dos bichos que voam, mas convindo fazer justiça, profiro a seguinte sentença: julgo a acusação improcedente mas, tendo em atenção que a paz é um dever indeclinável de todos os espíritos sãos, e para poder reservá-la, determino que me sejam entregues como reféns e para garantia da paz futura, um animal de cada uma das espécies que voam e que andam”.


Eliminava magnanimamente custas, dada e manifesta pobreza das partes.


Todos os animais, tanto os que voam como os que andam, aplaudiram delirantemente tão sagaz decisão e só o macaco, fiado no parentesco com o bicho homem, quis recorrer da decisão, alegando que “começara a escravatura”.


Ninguém o quis ouvir, a decisão ficou sem recurso (recurso para quem? perguntava o papagaio) e o bicho homem começou encaminhando a bicharada para currais e capoeiras previamente instalados por sua indústria.


A verdade é que com o correr dos anos as palavras do macaco tiveram plena comprovação, pois o bicho homem nunca mais soltou nenhum dos reféns e porque estes se reproduziam e o bicho homem não tinha com que alimentá-los, passou a comer deles cada vez com mais apetite.


Se acontecia alguém perguntar ao homem a razão de tão prolongado cativeiro, respondia: como querem que eu os liberte se ainda ontem vi um milhafre pilhar um rato e comê-lo em três tempos? É com sacrifício, com muito grande sacrifício que dou de comer à bicharada, mas mesmo com sacrifício devo manter a minha palavra honrada e a minha justiça proverbial. É certo que ensinei os bois a trabalhar para mim; é certo que como a carne dos bichos e uso das suas penas e da sua pele em utensílios que fabrico, mas não é menos verdade que todos devem conhecer a minha isenção. Estou esperando que os bichos consigam uma promoção social que os habilite a entrar no concerto dos seres civilizados para, então, lhes dar a liberdade que eu desejo mais do que eles.


Se a história é verdadeira, não posso assegurá-lo pois que os factos passaram-se há muitos anos e não conheci o bicho homem que fez tal justiça; mas, porque Umarú Só é pessoa séria, incapaz de inventar, estou em crer que eles se verificaram conforme a narrativa.


Em 27 de Maio de 1980 o Diário de Lisboa publica um artigo sobre a vida e obra  de Artur Augusto Silva 



Artur Augusto com os filhos em Sao Martinho do Porto provavelmente em 1957
E nesta com três dos netos (Martin, Ivan, Cristina):
Artur e Clara


Em 2020 surge no Facebook uma pagina sobre Artur como representante dos antifascistas na resistência. Na wikipedia ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Artur_Augusto_da_Silva





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